terça-feira, 27 de julho de 2010

Amor as margens do Rio Tapajós



Árvores balançam ao soprar do vento, pássaros cantam alegremente, de repente a tarde caí, o sol se esconde no infinito, paisagem linda, só vista lá, naquele lugar chamado Camará.
Assim ia-se mais um dia naquele lugar que parecia mais um paraíso. São tantas recordações.......
Lugarejo inesquecível para Mariete. Sua infância de ribeirinha foi curtida exatamente como manda o figurino ou lugar. Alimentação saudável, a base de peixe, caça e muita fruta nativa, como: Ata ingá, araçá e outras.... Livre para brincar com os irmãos, primos e amigos.
Mariete vem de uma família legal, um pai paraibano maravilhoso e uma mãe, meio rígida, típico de sua raça cabocla, mas com a única intenção, de que todos fossem, no futuro, pessoas do bem.Eram 11 irmãos, 8 homens e 3 mulheres, não vem ao caso, aqui, citar o nome de todos, basta dizer que são pessoas que aprenderam a valorizar a vida através do trabalho digno do campo herdado pelos pais.Dois deles, hoje, fazem festa no céu,assim como o patriarca Benedito.Saudade!!!.
São tantas lembranças, hora fazem chorar de saudades, hora fazem rir das recordações.
As idas e vindas a beira do rio Tapajós para tomar banho com aquela criançada em peso. Eram tantas brincadeiras divertidas, dentre elas, pira-cola, bandeirinha....ah, não se pode esquecer das brincadeiras de inverno.Quando chovia pela noite, logo pela manhã, o destino era o barranco, o barro molhe e escorregadio que proporcionava momentos contagiantes de pura adrenalina.
È bom deixar bem claro que não foi no Camará, hoje conhecido por Vista Alegre, que inventou-se o tobogã, apesar de não saberem que isso existia, lá estavam eles escorregando de cima a baixo no barranco, numa velocidade impressionante, o freio era a areia.
Quem avistava de longe via fantasmas. A trabalheira era pra tirar a piririca do corpo e lavar a roupa para que os pais não desconfiassem da travessura, caso contrário, a vassourinha seca da matriarca tinha destino certo, lombo das costas e por onde pegasse; de recordação ficavam as marcas, tipo queimadura, que perduravam por dias.
Brincadeiras a parte e responsabilidade naquela pequena notável. Depois da brincadeira lá ia ela com a turma. Com a panela de água na cabeça abastecia todas as latas para ter água suficiente para o consumo diário. Encanação e energia era coisa de livros de historinha da escola. A luz na noite, ficava por conta da lamparina e às vezes a lua dava uma mãozinha.

Anos depois......

Já na adolescência, os pais da morena, vendo a necessidade de uma educação melhorada para sua vida a transportaram para uma Vila do outro lado do rio, localizada no Planalto, denominada Belterra, foi viver num bairro que tinha o nome de “Bode”. Lá a jovem Mariete passou dos 12 aos 15 anos. Foi lá, também, que ela teve seu primeiro contato com a energia elétrica e água encanada, não em casa, tinha que acordar às 5 horas da manhã para abastecer a caixa nos fundos do quintal da casa onde morava. Seus acolhedores, um casal amável, Chico e Joaquina. Graças a bondade desses senhores a tapajônica teve a oportunidade de uma educação mais elevada, isso mesmo, chegou a concluir a oitava série do primário, na época, isso era uma grande conquista.
Lá, também, aconteceu o primeiro despertar para a emoção da paixão, dentre alguns namoros de adolescência, ficou noiva de uma pessoa maravilhosa, um homem que era o sonho de qualquer mulher, Manoel era seu nome, homem trabalhador, romântico, educado e lindo.
Mas como a vida prega surpresas... Certo dia Mariete foi passar as férias com seus pais. Num desses passeios de final de tarde, ela convidou suas primas e colegas e foram assistir a uma partida de futebol no Paricatuba, comunidade vizinha do Camará. Quando de repente ela vira e vê aquele homem que mudaria para sempre sua vida. Seus olhos se encontraram e reciprocamente admiraram-se. A emoção inexplicável foi perceptível a todos naquele momento.
Logo após as apresentações veio a certeza de um sentimento já mais existido na vida daqueles jovens adolescente, era o amor pedindo licença a seus corações.
Os encontros às escondidas viraram rotina durante aquelas férias que jamais teria fim, isso por que na hora da volta para Belterra, veio a notícias que quase ninguém esperava, até por que poucas pessoas sabiam da relação, com medo da reprovação dos pais; estavam grávidos! Isso mesmo. E agora? Aí veio a reunião das famílias, e a sentença: “Casem-se”, para os réus foi a sentença mais justa e esperada de suas vidas.

E o noivo Belterrense?............

Para o noivo Manoel que aguardava ansioso a chegada de sua amada para marcarem a data do casamento, agora, teve que se conformar com a carta desfazendo o noivado, e o pior, nela relatado detalhes do motivo do desfecho.

O casamento......

Foi numa tarde de verão, numa igrejinha na comunidade ao lado do da Camará, denominada Muratuba. Através do vestido longo, enfeitado de lantejoulas, da noiva já dava para notar o crescimento do primeiro fruto daquele amor. Foi uma festa bonita.
A lua de mel foi programada para ser passada na casa nova. Logo após as comemorações, o casal colocou os presentes de casamento e os pertences da noiva numa canoa, propriedade do noivo, e seguiram rumo a comunidade de Paricatuba, onde estava localizada sua residência.

Vida nova.............

A casa ainda não era a dos sonhos, de apenas três compartimentos, piso e paredes de barro; daquele que servia para a diversão na época da infância, lembra? A sua cobertura era toda na palha, uma casa tipicamente nativa. A felicidade no rosto do casal encobria toda e qualquer falta de conforto que viesse a ocorrer naquele momento. Futuro? Calma. Ainda estavam curtindo a fantasia daqueles dias mágicos.
Mariete, sendo uma das poucas pessoas que havia concluído a oitava série, começou a dar aula, era conhecida como a professora Mariete, ou simplesmente “sôra”, mania dos ribeirinhos de encurtar palavras. Basílio tinha suas profissões natas; pescador, agricultor e caçador. Assim foi o começo de um dos vários ciclos na história de vida daquele casal. Ambos com ânsia de dar um futuro melhor aos filhos, começaram a trabalhar arduamente. Mariete se dividia entre sala de aula e agricultura. Depois conseguiram construir um comércio de bens de primeira necessidade, que trocavam por produtos de subsistência daquela região, ou seja, os comunitários trocavam carne de caça, peixe, farinha, galhinha e outros por produtos comercializados no empreendimento do casal.
Com o passar dos anos a família cresceu, já eram cinco herdeiros, com exceção do falecimento da segunda filha do casal, que se foi aos três anos de idade. Nessa época o empreendimento já havia crescido. Agora o casal já está com o comércio, bem ampliado, com motor de luz, gerador que funcionava a noite proporcionando o funcionamento dos eletrodomésticos, além do conforto da televisão, e ainda um barco que fazia frete (locação) e linha de passageiros e produtos agrícolas para a cidade e nos finais de semana fazia cobertura de eventos com uma aparelhagem de som bem equipada, na época era uma das melhores aparelhagens das regiões Tapajós e Arapiuns.

Com o patrimônio indo bem, obrigado! A família ainda maior, agora já eram seis filhos, estaria maior se o quinto não viesse a falecer horas depois de nascido, senão nessas alturas já somariam sete guris e a maezona já estava grávida de mais um. Foi quando resolveram se mudar para a cidade de Santarém. Lá, alçar vôos mais altos, pelo menos esse era o anseio.

Em Santarém.....................

Já na cidade, Basílio continuou fazendo suas viagens comerciais, passava boa parte do tempo fora de casa. Enquanto isso, seus seis filhos, sua esposa e mais uma babá estavam levando aquela vida pacata de cidade povoada, todos ansiosos com a chegada do mais novo integrante da família. O que não esperavam era que suas vidas seriam eternamente marcadas por uma tragédia, antes, mesmo, da chegada do baby.
Numa tarde de domingo, o sol bonito despontava pra ser só mais um dia feliz de descanso para Basílio ao lado de seus filhos e esposa.
Ainda pela parte da manhã, ele vestiu uma de suas camisas preferidas, esporte fino, quadriculada, disse que ia comunicar a Babá que viesse a tarde para fazer companhia para seus filhos e esposa, pois teria que viajar novamente à noite.
Assim que saiu, a terceira filha do casal, apelidada, carinhosamente, de Pico-Pico, veio pedir colo pra mãe, e contou o sonho que havia tido na noite passada. Segundo a garota, o barco de seu pai tinha ido a pique e só aparecia o mastro fora D’água. Para sua mãe havia sido só mais um sonho.
As horas passam e de repente?? Sente um calafrio, uma falta de ar, achou até que seu filho já estava pedindo licença pra vir ao mundo, mas não era nada disso. Como de costume se debruçou na janela e ficou olhando o movimento na avenida presidente Vargas, bairro central onde residiam. O rádio ligado, e de repente um plantão de ultima hora, sobre um acidente de trânsito, com uma morte, envolvendo um ciclista e um automóvel. Minutos depois mais um plantão, dessa vez bem detalhado, com o repórter no local, descrevendo a barbárie, um ciclista que vinha na Avenida Fernando Guilhon, no sentido Centro, foi atropelado por um automóvel, vindo a morrer na hora, o homem de estatura mediana, usava camisa quadriculada e estava numa bicicleta de cor vermelha. Nesse momento Mariete não sentiu mais seu corpo, e não lembra como conseguiu ligar pra vizinha pra contar o ocorrido. Mas apesar das evidências, não queria acreditar, somente com a confirmação do marido de sua vizinha que foi até o local do acidente, foi quando o mundo parece ter desabado para aquela mulher que apesar de tanta dor da perda de seu amado ainda estava a poucos dias de dar a luz.
A dor de superar tal tragédia era algo inexplicável, acreditem! Ela deu a luz para seu caçula, sem sentir dor. A cidade se mobilizou com o sofrimento daquela mulher. Muitas pessoas, até então, desconhecidas foram visitá-la para prestar solidariedade e até em busca de adotar os pequenos órfãos.
Sem rumo, a viúva aceitou o convite dos pais e retornou para o lugar onde tudo começou na Comunidade de Camará. Agora para recomeçar uma vida em meio a tristeza, solidão, angustia e muita saudade. A vida parecia não ter sentido. O que mais ansiava, naquele momento, era que tudo não passasse de um pesadelo. Infelizmente era real.
A casa da Avenida Presidente Vargas, em Santarém, já não pertencia a família, assim como a casa do Sítio Paricatuba com todos os bens que lá restavam. O barco já não navegava mais nas maresias dos rios Tapajós e Arapiuns, agora estava ancorado sem previsão de desatraque no porto pequena comunidade. A aparelhagem que parecia ter vida própria, agora estava silenciada.

O recomeço....

Sem vontade de ver o sol nascer, e desejo de não acordar para a realidade, certa noite, em um sonho, Mariete riscando a terra sob a sombra das seringueiras, sentiu um vento forte, ao levantar o olhar, avistou seu grande amor, os cabelos lisos jogados para o lado, um pouco desarrumados pelo vento, aquele bigode inconfundível, e com sua camisa preferida, o sorriso sereno nos lábios, se aproxima e entrega um rancho e diz que estava lá apenas para uma conversa, e completa dizendo que seu lugar não era mais lá ao lado dela, mais em nome do o amor que existia entre eles, ela desse continuidade em uma vida de conquistas, cuidando de seus filhos e tocasse seus empreendimentos, pois queria vê-los felizes.Ao acordar com choro do recém-nascido, o caçula, saiu olhando para cada um de seus filhos que dormiam neste momento. E prometeu cumprir a promessa.
Voltou a dar aula pela manhã em uma comunidade vizinha, a tarde ia para a roça com seus filhos mais velhos. Nos finais de semana ela, seu irmão e seu filho mais velho, Morais, faziam festa, frete, em fim, a rotina daquele grande homem.

Tempos depois....

A Necessidade de dar uma educação melhorada para seus filhos, a viúva levou sua família para a Vila de Belterra, onde ela havia residido na adolescência.
Os filhos já criados, cada um com sua profissão. Todos, cidadãos do bem. Depois vieram os netos; cada gracinha!

Num final de tarde, Mariete varre a frente de seu comércio, quando é surpreendida por um homem de estatura baixa, calvo, pele clara, nariz afilado e lábios finos. Ele chama seu nome, ela confirma: “Sim, sou eu”. Ele retruca perguntando se ela não lembra dele e ela acena a cabeça negativamente. Ele diz que é o Manoel, o noivo abandonado por ela.
Disse que há muitos anos que não vinha naquela terra. Depois do acontecido, ele viajou, casou-se, teve filhos, e agora estava lá, a passeio, havia se divorciado da esposa. E numa conversa informal com seus familiares ficou sabendo que seu antigo amor estava residindo naquela, agora, já reconhecida por cidade, e que sabia o que havia acontecido com seu esposo.
Ela o convidou pra tomar um café e foram conversar.
Haja história, no final da conversa ele disse que a ida dele tinha um objetivo, pedi-la em casamento, dar continuidade no que haviam interrompido há 34 anos. E disse que não queria resposta naquele momento.
Depois de muitas visitas, chegou a hora da verdade. Mas para a surpresa de todos, apesar do carinho de seus filhos para com aquele homem, a Mariete não aceitou o convite.
Depois de mais alguns anos ela resolveu voltar para a cidade onde sua vida foi marcada pela maior tragédia, Santarém do Pará, mas que também foi e é, lugar de felicidades infinitas e inigualáveis.
Hoje ela vive ao lado dos filhos e busca no jeito e em cada sorriso dos netos um pouco daquele homem que foi exemplo de amor e dedicação à família, na certeza que tudo é possível, basta que se trabalhe com honestidade e dignidade.
Francely Sales

3 comentários:

Unknown disse...

Nosssa Fran que história linda, muito emocionante do começo ao fim.
Uma historia que tem uma mistura de alegria, tristeza e principalmente superaçào, de uma mulher guerreira, que da orgulho a todas as mulheres pela força e coragem e determinaçào que teve de lutar em beneficio próprio e dos filhos...Parabéns!!!!!

Francely Sales disse...

Obrigada querida...essa mulher guerreira é a Maria de Fátima, minha mame...

Unknown disse...

🥺❤